segunda-feira, 2 de julho de 2007

Educação e Cybercultura

Perre Lévy

LÉVY(1997) diz que pela primeira vez na história da humanidade, a maioria das competências adquiridas por uma pessoa no começo de seu percurso profissional serão obsoletas no fim de sua carreira. Sobre a natureza do trabalho, afirma que o conhecimento não pára de crescer. E o ciberespaço suporta tecnologias intelectuais que ampliam, exteriorizam e alteram funções cognitivas humanas. Essas tecnologias favorecem novas formas de acesso à informação.
O super-fluxo, o saber-transação de conhecimento, as novas tecnologias da inteligência individual e coletiva estão modificando profundamente os dados do problema da educação e da formação. São necessárias, portanto, grandes reformas.
As ferramentas do ciberespaço permitem considerar sistemas de testes automatizados acessíveis a todo momento e redes de transação entre a oferta e a demanda de competência.

Articulação de uma multidão de pontos de vistas de Deus
A partir da pequena equipe do CERN, a World Wide Web propagou-se como pólvora entre os usuários da internet, tornando-se, em poucos anos, um dos principais eixos do ciberespaço. Cada elemento desse incircunscritível novelo é, ao mesmo tempo, um pacote de informação e um instrumento de navegação, uma parte do estoque e um ponto de vista original sobre o referido estoque.

O segundo dilúvio e a inacessibilidade do tudo
A Web e sua irresistível ascensão oferecem uma fantástica imagem da cheia sociedade contemporânea de informação. Há um dilúvio de informações. A partir do século XX, com a ampliação do mundo, com a progressiva descoberta de sua diversidade, com o crescimento cada vez mais rápido dos conhecimentos científicos e tecnológicos, o projeto de domínio do saber por um indivíduo ou pequeno grupo tornou-se cada vez mais ilusório. Para o autor, todos nós, instituições, comunidades, grupos humanos, indivíduos, necessitamos construir um significado, providenciar zonas de familiaridade, domesticar o caos ambiente. Por outro lado, essas zonas apropriadas de significado deverão necessariamente ser móveis, mutantes, em devir.

Quem sabe? A reencarnação do saber
No ciberespaço, o saber não pode mais ser concebido como algo abstrato ou transcendente. Sua pretensa “frieza”, as redes digitais interativas são potentes fatores de personalização ou encarnação do conhecimento. Devemos lembrar sem cansar a inanidade do esquema de substituição. A comunicação por mensagens eletrônicas prepara viagens físicas. Alguns argumentam: certas pessoas passam horas “frente a tela”, isolando-se dos outros. Mas será que dizemos de quem lê que ele “passa horas diante do papel”? Que o texto esteja numa tela não muda nada o fundo da questão.
Nas sociedades anteriores à escrita, o saber prático, mítico e real é encarnado pela comunidade viva. O livro, único, indefinidamente interpretável, transcendente, que contém supostamente tudo: a Bíblia, o Alcorão, os textos sacros, os clássicos, Confúcio, Aristóteles, etc., o intérprete é quem domina o conhecimento.
Para Lévy, a desterritorialização da biblioteca a que estamos presenciando não seja senão o prelúdio do surgimento de um quarto tipo de relação com o conhecimento. Desta vez, ao contrário da oralidade arcaica, o carregador direto do saber não seria mais a comunidade física e sua memória carnal, mas sim o ciberespaço, a região dos mundos virtuais pelo intermédio dos quais as comunidades descobrem e constroem seus objetos e se conhecem como coletivos inteligentes.

A simulação: um modo de conhecimento próprio da cybercultura
Os novos gêneros de conhecimento carregados pela cybercultura, a simulação ocupa um lugar central. Trata-se de uma tecnologia intelectual que decuplica a imaginação individual, a informática exterioriza parcialmente essas faculdades em suportes numéricos. Tanto no plano cognitivo quanto na organização do trabalho, as tecnologias intelectuais devem ser pensadas em temos de articulação e postas em sinergia. Com efeito, nossa memória, no longo prazo, tem a capacidade de armazenar uma grande quantidade de informações e conhecimento, enquanto no curto prazo apresenta representações mentais às quais prestamos deliberadamente nossa atenção, aqui sua capacidade é limitada. A simulação é uma ajuda para a memória de curto prazo que envolve não imagens fixas, textos ou tabelas de números, e sim dinâmicas complexas. A simulação exerce um papel crescente nas atividades de pesquisa científica, de concepção industrial, de gestão, de aprendizado, mas também para o jogo e a diversão. É um modo especial de conhecimento da cybercultura nascente. Sob o ângulo da inteligência coletiva, permite a colocação em imagens e a partilha de mundos virtuais e de universos de significado de uma grande complexidade.

Da interconexão caótica coletiva
Desterritorizado, o saber flutua. A interconexão em tempo real de todos com todos é a causa da desordem. Mas, é também a condição de possibilidade das soluções práticas para os problemas de orientação e aprendizado no universo do saber em fluxo.O ideal mobilizador da informática não é mais a inteligência artificial e sim a inteligência coletiva, ou seja, a valorização, a utilização otimizada e a colocação em sinergia das competências.As novas técnicas de comunicação favorecem o funcionamento em inteligência coletiva, dos grupos humanos, cabe repetir que elas não o determinam da maneira automática.

Mutações da educação e economia do saber
Os sistemas de educação estão sofrendo hoje novas obrigações de quantidade, diversidade e velocidade de evolução dos saberes. As universidades estão mais do que lotadas. Os dispositivos de formação profissional e contínua estão saturados. Metade da sociedade está ou gostaria de estar, na escola. Tanto no plano das infra-estruturas materiais quanto no dos custos de operação, escolas e universidades virtuais custam menos do que às presenciais.
O novo paradigma da navegação(oposto ao do “cursus”) está desenvolvendo nas práticas de coleta de informação e de aprendizado cooperativo no seio do ciberespaço. O aprendizado a distância tem sido, durante muito tempo, o “estepe” do ensino. Em breve, será a “cabeça” pesquisadora.

O aprendizado cooperativo e o novo papel dos docentes
O ponto essencial é a mudança nos processos de aprendizagem. A direção mais promissora é do aprendizado coletivo.

Rumo a uma regulação pública da economia do conhecimento
A informática oferece máquinas de ensinar. Os computadores são considerados como instrumento de comunicação, de pesquisa, d informações, de cálculo, de produção de mensagens. O uso crescente das tecnologias digitais e das redes de comunicação interativa está acompanhado e ampliando uma profunda mutação da relação com o saber.

Saber-fluxo e dissolução das separações
As desordens da economia, assim como o ritmo precipitado das evoluções científicas e técnicas, determinam uma aceleração generalizada da temporalidade social. A relação intensa com o aprendizado, com a transmissão e com a produção do conhecimento não está mais reservada para uma elite, mas diz respeito à massa das pessoas em sua vida diária e em seu trabalho. Os indivíduos são chamados a mudarem de profissão várias vezes em sua carreira e a própria noção de ofício está tornando-se cada vez mais problemática. Para uma parcela da população, o trabalho não é mais a execução repetitiva de uma tarefa prescrita, mas e uma atividade complexa. Com o uso da hipermídia, dos sistemas de simulação e das redes cooperativas de aprendizado, estão cada vez mais integrados os postos de trabalho.

O reconhecimento adquirido
É para esse novo universo do trabalho que a educação deve preparar. Como os indivíduos aprendem cada vez mais fora das fileiras acadêmicas, cabe aos sistemas de educação implantarem procedimentos de reconhecimento dos saberes e know how adquiridos na vida social e profissional. Essa validação dos saberes , todos os processos, todos os dispositivos de aprendizado, até os menos formais, poderiam ser sancionados por uma qualificação dos indivíduos. Uma vez aceito o princípio segundo o qual toda e qualquer aquisição de competência deve poder dar lugar a um explícito reconhecimento social, os problemas de gestão das competências, tanto na empresa como no nível das coletividades locais, estarão a caminho, se não de sua solução, ao menos e sua mitigação.

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