segunda-feira, 2 de julho de 2007

Considerações sobre a disseminação do conhecimento científico e tecnológico e sobre a formação para o trabalho nas sociedade emergente

Gilberto Lacerda Santos

O artigo faz a relação entre acesso a conhecimento científico e tecnológico e formação para o trabalho, contextualizado no início do século XXI. Tendo em vista que há sempre uma ideologia dominante, isto é uma superiodeologia que caracteriza cada momento da evolução da humanidade, nós estaríamos em pleno processo de criação e de desenvolvimento da superiodeologia necessária para explicar a realidade e para justificar a existência da sociedade tecnológica. Como esta superideologia organizar-se-á e ocupará espaço no inconsciente coletivo, além de outros questionamentos, são perguntas sem respostas. Muitos autores concluem que a revolução tecnológica é uma espécie de ponto de partida para uma nova sociedade, supostamente melhor e mais democrática, menos excludente e mais igualitária.
Para HOBSBAWN (1995), o século XX termina numa desordem global. Um dos indícios dessa desordem está no fato de que os novos e sucessivos avanços tecnológicos e científicos traduzem-se, em espaços de tempo cada vez menores, em artefatos e em procedimentos complexos, sem que haja um envolvimento efetivo por parte do usuário final. Para ele, um outro indício da desordem global manifesta-se na desproporção entre a disseminação da ciência e da tecnologia nos meios científicos e nas outras instâncias da sociedade.
Já TOURAINE (1995) diz que estamos vivendo tempos de surgimento de uma cultura caleidoscópica, baseada nas proezas técnicas rapidamente ultrapassadas, no fim da cultura, isto é, na globalização de todas as culturas. Microcosmos dessa sociedade já podem ser encontrados por toda parte: no lazer, nas comunicações, no trabalho na educação. A nova sociedade teria como base o fim do indivíduo enquanto ator cultural, enquanto portador de uma identidade cultural. Todos falarão a mesma linguagem. Nesse sentido, o sucesso econômico das nações passa necessariamente pelo progresso científico e tecnológico, idéia com relação à qual também convergem analistas marxistas.Alguns afirmam que há possibilidades concretas de melhoria geral da qualidade de vida da espécie humana pelo acesso a um arsenal de recursos científicos e tecnológicos com o poder de liberar-nos da rotina, do trabalho desumano, das doenças incuráveis, da massificação.
Mas, quaisquer que sejam as previsões com relação à emergência de uma sociedade pós-industrial, é inegável que, num futuro próximo, o exercício pleno da cidadania por meio do trabalho dependerá do acesso de todos a um conhecimento de base em Ciência e em Tecnologia. Nas duas ultimas décadas, sobretudo nos países anglo-saxãos e nos países do norte da Europa, a expressão ‘alfabetização científica e tecnológica’ (ACT) foi enfaticamente empregada, no sentido de indicar a importância de um conhecimento de base em ciência e em tecnologia como pré-requisito para o exercício pleno da cidadania na sociedade do século XXI, o que conduz imediatamente à questão do trabalho e da formação profissional e à relação estabelecida entre a ciência, a tecnologia e o trabalho (CTT).

No final do século XIX, tanto a classe trabalhadora quanto a classe patronal estimaram que era importante que a população como um todo tivesse acesso ao letramento, soubesse ler e escrever. Conforme esclarece FOUREZ (1994), o patronato, apesar de uma certa reticência inicial, via na alfabetização generalizada uma estratégia importante para a obtenção de uma mão-de-obra mais adaptada às modificações tecnológicas daquele período, que hoje designamos como ‘a primeira revolução industrial’. Por sua vez, os trabalhadores percebiam na instrução um instrumento fundamental para sua emancipação. É nesta mesma perspectiva que, de acordo com FOUREZ (op. cit.), convém situar o movimento da alfabetização científica e tecnológica, na medida em que já é sabido que sem nenhuma familiaridade com o empreendimento científico e com o empreendimento tecnológico é inútil para o cidadão pretender assegurar-se um lugar no mercado de trabalho e na sociedade científica e tecnológica emergente.
A importância atribuída à alfabetização científica e tecnológica e à relação CTT nos países industrializados surge principalmente em resposta a uma crise generalizada no âmbito da formação científica em todos os níveis de ensino, sobretudo no ensino profissional (LACERDA SANTOS, 1997a; 2000). Tal crise é evidenciada, por exemplo, na ineficácia dos métodos de ensino de ciências, que via de regra perpetuam a idéia de que a prática científica é de natureza elitizada e fechada, desinteressando as novas gerações, esvaziando os cursos científicos de níveis técnico e universitário e comprometendo todo e qualquer projeto nacional de desenvolvimento científico e tecnológico a médio e a longo prazo.
No caso do Brasil, tal situação é bastante grave, vem sendo perpetuada por uma dinâmica que precisa ser rompida e, sem sombra de duvidas, compromete fortemente os propósitos nacionais de inserção do país na sociedade tecnológica emergente e no novo modo de produção. Oriundos de faculdades de educação, os pedagogos que atuam nas quatro primeiras séries do ensino fundamental têm como característica o fato de terem se distanciado, ao longo de toda sua formação escolar e universitária, das ciências ditas puras e exatas (Matemática, Física, Química, Biologia). Consequentemente, e como demonstra LACERDA SANTOS (2004), tais profissionais docentes abordam o ensino de ciências de modo inadequado, reproduzindo traumas, equívocos e representações herméticas que eles próprios detêm, o que pode contribuir para o desenvolvimento, em seus alunos, de uma certa repugnância pelas áreas científicas. No caso dos cursos de educação profissional a situação é ainda mais crítica.
é hoje inquestionável que um crescimento contínuo e a longo prazo só pode ser assegurado se investimentos importantes na produção científica e tecnológica forem conjugados com investimentos igualmente importantes na formação de cientistas e de tecnólogos e na melhoria da alfabetização científica e tecnológica da população como um todo (SOLTMAN, 1993). Nesta perspectiva, a alfabetização científico-tecnológica, assim como todo o movimento CTT, podem ser situados no conjunto dos movimentos que, desde o século XVIII, associam instrução a aumento de riquezas e de poder. O eixo social do movimento CTT encontra sua justificativa no fato de que é cada vez mais evidente que, desprovidos de uma cultura científica e tecnológica geral, os sistemas democráticos tornam-se bastante vulneráveis à tecnocracia.
O movimento CTT também se refere a uma dimensão humanista que tem por objetivo conduzir cada cidadão a inteirar-se da cultura científica e tecnológica produzida pela humanidade, a compreender sua dimensão histórica, epistemológica, estética, ética e cultural, bem como seus impactos sobre o exercício de atividades profissionais. É preciso vir à luz uma nova ordem mundial de acesso ao conhecimento, à ciência e à tecnologia, visando garantir um desenvolvimento harmonioso, eqüitativo e auto-sustentado entre os povos. Para tanto, sistemas escolares de todo o mundo, e especialmente dos países em desenvolvimento, tanto de formação geral quanto de formação profissional, precisam concretizar estratégias de ensino que contribuam efetivamente para o acesso à alfabetização científica e tecnológica.

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